Tudo começa com paranóia. Não a paranóia de sempre, aquela desconfiança e suspeita exageradas, sem respostas. Falo de algo próximo de uma paranóia discreta, difícil de ser reconhecida, ainda mais tratando-se de algo silencioso na rotina.
Silencioso porque não é todo dia que alguém externa essa sensação. É mais um sentimento daqueles que os olhos capturam daquilo que vêem e guardam-no imediatamente no inconsciente, sendo reconhecido outra hora na leitura ou vivência de algo parecido.
Não faltando uma pitada de cultura inútil, nas temporadas de reality shows, os programas de celebridades besteirol questionam o incômodo de viver diante de câmeras. O que muitos esquecem é que essas lentes são apenas artificiais, e que há piores lentes monitorando-nos diaramente.
Este insight incoerente surgiu debaixo de uma ponte quando eu parara num sinal. Comecei a observar as pessoas transitando e reparar coisas como modo de andar, destino, roupas, gestos etc. Alguém distante e oculto pode acompanhar os passos de outrem sem que este o perceba. Detalhe: o anonimato pode ser mantido por uma vida inteira!
Já parou para pensar que alguém pode estar observando você há dias, meses, anos..?
Vivemos numa grande superposição de gaiolas em que todos percebem todos, ninguém percebe ninguém, e a vida continua. A menina da tiara rosa pulando no banco do circular amarelo. Os dois amigos que conversam gesticulando e com passos trocados. A mulher que trata mal os funcionários do Habib's. O segurança do estacionamento que não vê a hora de encerrar o serviço. O vestibulando que não consegue resolver uma questão e come duas barras de chocolates. Um admirador secreto que me mandou uma rosa na Creperia. Os sorrisos de crianças brincando no parque. A felicidade da noiva ao jogar o buquê. O olhar decepcionado do pai que acaba de descobrir a mentira do filho..
Vivemos nas gaiolas deles, e eles nas nossas.
2 comentários:
é Matrix
ótimo texto
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